terça-feira, 29 de maio de 2018

O Anseio de Cegar.

Ó, queria também cegar.
Cegar para sempre.
Pressionar os olhos e deixar a escuridão dominar.

Cegar para a dor no Peito,
Cegar para a dor da Perda,
Cegar para as Pontadas
Cegar para a Pele.

Preencher o vazio com o Preto.
Profundo, sinistro.
Preto infinito.
Prevalecer as trevas diante do meu Olhar.

Cegar para o que é carinhoso.
Cegar para as coisas bonitas.
Cegar para o céu Azul do inverno
Cegar para o Amarelo da primavera.

Cegar para não ver o que me espera.
Cegar as mãos que se renderam à tentação.
Cegar a sede e a vontade.
Cegar o aperto da curiosidade.

Cegar o mundo para mim,
Cegar por ventura qualquer futuro,
Cegar de você, enfim.

Orvalina Augusta Teixeira



    Eu fico imaginando se um dia alguém irá de se dar ao trabalho de interpretar esses meus poemas.

terça-feira, 8 de maio de 2018

É diferente.

-Tá vendo, zé? A gente mata os bicho e come. A gente tira os bicho da cerca, mata, coloca no fogo e come.
-Não tem bicho que come a gente também?
-Ma que raio, zé! É diferente, não tá veno?
-Hummm.

      Naquela época talvez não fosse fácil para ele entender.

Outro breve conto

-Será que os bicho também acredita, irmão?
-Vai dormi, zé.
-Ou será que o trovão pra eles é só trovão?
-Vai dormi, sua sarna!
     
      na revolução agrícola.

Descrição.

      Margaridas, cravos, rosas, as mais lindas flores. Panos brancos e perolados, carpete fino no chão, detalhes em dourado. A cerimônia estava linda.
      Ele também estava.
      Talvez tivesse sido sobre eu e ele ou somente sobre ele. Não, entretanto, foi sobre nós dois. Mais você e a mensagem que eu ignorei.
      Os noivos estavam cumprimentando os convidados e ele me viu. Educado como ele é, sorriu para mim e disse-me algumas palavras cordiais. Todo sofrimento, podia-se ver em seu semblante sincero, fora embora, sobrando apenas o sorriso cimentado no rosto. Tomada por um sentimento de civilidade, decidi prestar-lhes homenagem. Entre votos de felicidade e palavras polidas eu o vi. Discreto em meio a multidão, o seu olhar atingiu-me como uma adaga atinge o alvo nas mãos de uma assassino.
      Uma pausa.
      Não era necessário mais do que alguns segundos para eu perceber o que estava acontecendo ali. Você.
      Fitando.
      Alertando.
      Reprovando.
      Eu poderia inventar mil frases para uma única palavra  para o que aqueles olhos negros diziam com. "Pare". Voltei-me, contudo, ao teatro do meu discurso e prossegui com a peça. Terminado os aplausos e os agradecimentos, parti em sua busca, mesmo sabendo que você nunca dizia mais que o necessário. E você já havia dito o bastante, por isso não me espantei quando não o encontrei, porém a solitude quebrou em minha cabeça como uma onda quebra na praia, engolindo os pequenos seres na areia.
      Ele me avistou novamente e veio eloquente falar comigo sobre seu grande amor e o embrião que cresce no ventre dela. Eu o escutei com a postura exigida pelo evento, mesmo estando imersa num vazio mais vasto que toda aquela alegria. Ele estava impecável em todos os sentidos possíveis, tão limpo de tudo que nem notou meu cabelo oleoso, os trapilhos que eu vestia e o odor que emanava da minha pele. Percebi, então, que não estava a caráter daquele evento tão fino.
      Você tinha razão. Eu não pertenço a este lugar. Percebo isso só agora, ao ver como ele está embriagado com a sua própria felicidade enquanto eu já passei há muito tempo do estágio do torpor que outrora me fazia andar pelas nuvens, restando-me agora sobreviver à ressaca.
      E quando acordei em agonia eu já não sabia mais distinguir a realidade da fantasia. Entre um sonho e outro, a Razão lutava para me tirar do mundo dos sonhos.



Um breve conto

-Irmão, tô achando que a gente é bicho que nem os otro bicho.
-Tá loco, zé? Cala a boca e pega esse trigo aí.
-É que é tanta coisa que a gente faz que eles faz.
-Pega o trigo aí quéto e deixe de bobage.

      em algum canto na revolução agrícola.